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Preso nas trincheiras na Ucrânia

Apr 28, 2023Apr 28, 2023

Por Lucas Mogelson

Num domingo, no início de outubro, almocei em um restaurante ao ar livre em Andriyivsky Descent, no centro de Kiev, com um americano de 37 anos que atendia pelo codinome Doc. Aluguei um apartamento na mesma rua de paralelepípedos em março, enquanto os militares ucranianos repeliam um ataque russo à cidade. Na época, o bairro estava deserto e um silêncio portentoso era quebrado apenas por explosões esporádicas e sirenes de ataque aéreo. Agora Andriyivsky Descent estava lotado de casais e famílias passeando sob o sol de outono. Artistas locais vendiam pinturas a óleo na calçada. Um trompetista e um acordeonista tocavam para receber gorjetas. Doc tomou um gole de Negroni. De barba comprida, queixo quadrado e peito largo, ele usava uma jaqueta tática verde e um boné de beisebol bordado com o tridente nacional ucraniano. Uma cicatriz grossa cobria seu pescoço, de uma briga de bar na Carolina do Norte durante a qual alguém cortou sua garganta com um estilete. No final da refeição, um homem mais velho com um chapéu de couro se aproximou de nossa mesa. "Legião Internacional?" ele perguntou, em inglês com sotaque. Apontei para Doc; o homem estendeu a mão e disse: "Eu só queria dizer obrigado."

Doc examinou seu copo, constrangido. Depois que o homem saiu, comentei que esse reconhecimento deve ser bom. "É uma sensação estranha", respondeu Doc. Ele tinha sido um fuzileiro naval na casa dos vinte anos e lutou, como artilheiro, no Iraque e no Afeganistão. Sempre o incomodava quando civis americanos o agradeciam por seu serviço. Quando seu contrato terminou, em 2011, ele estava ansioso para deixar a guerra para trás. "Foi um corte difícil", disse ele. "Eu nunca voltaria." Pouco depois de receber alta, mudou-se da Carolina do Norte para a cidade de Nova York, onde foi aceito na Universidade de Columbia. Usando o GI Bill, ele se formou em ciência da computação, com especialização em lingüística. Ele fez dois estágios de verão no Google e, quando se formou, a empresa o contratou em período integral.

Enquanto Doc trabalhava como engenheiro de software, em Manhattan, sua visão da Big Tech diminuiu progressivamente. Ele estava desiludido com a presidência de Donald Trump e culpou as redes sociais, em parte, pela polarização do país. Em janeiro passado, ele notificou o Google de que estava saindo. Ele não tinha certeza do que faria a seguir. "Eu realmente não tinha direção", lembrou ele. Então, em 24 de fevereiro, a Rússia invadiu a Ucrânia. Do ponto de vista de Doc, "foi muito casual".

Na tarde seguinte, ele visitou o consulado ucraniano no centro da cidade. A área de recepção estava repleta de imigrantes ucranianos em busca de informações, e Doc foi convidado a voltar depois do fim de semana. Naquele domingo, Volodymyr Zelensky, o presidente da Ucrânia, anunciou a criação de uma Legião Internacional e emitiu um "apelo aos cidadãos estrangeiros" para aderir. Os voluntários defenderiam não apenas a Ucrânia, insistiu Zelensky: "Este é o começo de uma guerra contra a Europa, contra as estruturas europeias, contra a democracia, contra os direitos humanos básicos, contra uma ordem global de leis, regras e coexistência pacífica." Quando Doc voltou ao consulado, um funcionário o aconselhou a ir para a Polônia, dando-lhe o telefone de alguém que o orientaria de lá.

Duas semanas depois, Doc pousou em Varsóvia com uma mochila contendo suprimentos médicos e colete à prova de balas. Ele mandou uma mensagem para o número e foi direcionado para um motel perto da fronteira ucraniana. Vários grupos de homens, "obviamente militares", perambulavam pelo estacionamento. Alguns tinham desenrolado sacos de dormir no saguão. Ninguém falava com Doc. A paranóia sobre espiões e infiltrados era aguda. No dia anterior, mísseis de cruzeiro russos tinham como alvo o principal campo de treinamento da Legião Internacional, em Yavoriv, ​​uma cidade ucraniana a cerca de uma hora de distância. Embora nenhum estrangeiro tenha morrido, dezenas de ucranianos foram mortos. Um amigo meu, um veterano do exército canadense que se juntou à Legião, sobreviveu ao ataque. Quando o contatei por telefone, ele descreveu a cena como "um banho de sangue".